
Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos
encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse decreto fundamental
foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham
sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma
aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem anos mais
tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não é livre.
Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente
dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem
anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio
de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda
definha nas margens da sociedade americana, estando exilado na sua própria
terra.
Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramaticamente mostrarmos
esta extraordinária condição. Num certo sentido, viemos à capital do nosso país
para descontar um cheque. Quando os arquitectos da nossa república escreveram
as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de independência,
estavam a assinar uma promissória de que cada cidadão americano se tornaria
herdeiro.
[...]
Agora é tempo de tornar reais as promessas da Democracia. Agora é
o tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado
caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade
para todos os filhos de Deus. Agora é tempo para retirar o nosso país das
areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade.
[...]
Esta maravilhosa nova militância que engolfou a comunidade negra
não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos
nossos irmãos brancos, como é claro pela sua presença aqui, hoje, estão
conscientes de que os seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua
liberdade está intrinsecamente ligada à nossa liberdade.
[...]
Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e
frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente
enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o
verdadeiro significado da sua crença: "Consideramos estas verdades como
evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".
Tenho um sonho que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os
filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos
poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho que um dia o estado do Mississipi, um estado
deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num
oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa
nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caráter.
Tenho um sonho, hoje. Tenho um sonho que um dia o estado de
Alabama, cujos lábios do governador atualmente pronunciam palavras de ...
e recusa, seja transformado numa condição onde pequenos rapazes negros, e
mocas negras, possam dar-se as mãos com outros pequenos rapazes brancos, e mocas
brancas, caminhando juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, hoje. Tenho um sonho que um dia todo os vales
serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas, os lugares
ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos serão endireitados, e a glória do
Senhor será revelada, e todos os seres a verão, conjuntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao Sul.
Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra de
esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa
nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos
trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, ficarmos
juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres.
Esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com
um novo significado: "O meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu
canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que
de cada localidade ressoe a liberdade".
E se a América quiser ser uma grande nação isto tem que se tornar
realidade. Que a liberdade ressoe então dos prodigiosos cabeços do New Hampshire.
Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque. Que a liberdade
ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvania!
Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas
Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Mas não só isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da
Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena elevação
do Mississipi.
Que de cada localidade, a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos
ressoar de cada vila e cada aldeia, de cada estado e de cada cidade, seremos
capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos,
judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as
palavras da antiga canção negra: "Liberdade finalmente! Liberdade
finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!"